Elza, a mulher que me fez acreditar no Fim do Mundo
Eu quero cantar, até o fim, me deixem cantar até o fim
Viva!
Elza
I: Vida
Hoje, Ela completaria 93 anos. Quase um centenário. Elza foi uma divindade no meio de humanos incertos, feito nós. Não vou me alongar pela vida como os inúmeros noticiários e programas fizeram e fazem com ela - comumente, atrelando sua força às tragédias mil que ela teve que encarar em sua vida. Elza sempre foi. Mesmo antes de nascer. Ela é forte. Ela é força. E falo no presente, pois seres como Elza, Gal, Rita não morrem nunca. Pelo contrário, quando deixam este plano, aí, sim, se tornam mais vivas e ferozes. Nos fazendo refletir, pensar e viver.
Eu, infelizmente, tenho o péssimo hábito de escutar mais a fundo esses ícones quando eles partem. Com Elza não foi diferente. Admirava o trabalho dela desde o ensino médio, quando ela lançou o MULHER DO FIM DO MUNDO e o DEUS É MULHER, dois discos que apareceram até demais nas citações da minha professora de história e em tweets comparando com o disco da Ariana de mesmo nome… porém, foi na pandemia, mais especificamente nas diversas horas que passei na frente do computador trabalhando, que peguei todos os discos da rainha e ouvi. Tirando o valor histórico, que é enorme, foi uma experiência bem diferente do habitual. Até aquele momento, infelizmente, nunca tinha parado para ouvir muitos artistas nacionais, hoje, graças ao universo, melhorei bastante meu gosto. Contudo, quando os graves rasgados de Elza me pegaram no fone de ouvido… foi definitivamente uma coisa.
Eu amo música. Minha vida não existiria sem os meus fones de ouvido. Escapismo mesmo, acho que se a música não te faz sentir isso… meio que ela perdeu o propósito, certo? Arte no geral - já falei sobre isso, vamos voltar para o texto. Pois, Elza me fez sentir o que a música realmente deve fazer a gente sentir. Foi uma mistura de emoção, nostalgia e abraço. Foi lindo. Pena que uma semana depois ela morreu.
II: Depois
Foi um baque. Como se eu tivesse acabado de conhecer um amigo e ele fosse embora. Sabe aquele cara que parece a resposta para tudo e, de repente, ele tem que morar na capital? Pois é, tipo isso, mas pior. Elza, por uma semana, foi a minha mãe. E naquele momento, eu estava órfão. Ela tinha partido e não consegui aproveitar, ir num show sequer.
Passei alguns dias bem mal e acompanhando as notícias sobre o legado da cantora. Porém, um fato que me pegou muito é como todos afirmam que ela morreu em paz, deitada em seu quarto, cercada de queridos. Uma morte “boa”, se é que isso pode ser qualificado assim. Isso ficou na minha cabeça por muitos dias, na verdade, até hoje fica, já que estou escrevendo sobre aqui. É só que, é irônico a Mulher do Fim do Mundo ter experienciado o fim do SEU mundo, de uma forma tão tranquila. Como se uma recompensa estivesse sendo entregue. Elza merece. Mas mesmo assim, não me deixo de me revoltar contra as justificativas do mundo para tirar Elza da gente até hoje. Parece que cada dia mais perdemos uma luz nessas tantas trevas que a humanidade colocou em si. É injusto. Imoral.
Bem, outro pensamento derivado da partida de Elza foi sobre como quero partir. A morte não deixa de ser o Fim do Mundo. Pelo menos, do meu. E, por enquanto, ele é o único que consegui experimentar. Como seria meu último dia? Acho que não morrerei de doença ou algo que vai me consumir aos poucos, me definhando. Vou ter entre 60 e 70 anos. Isso não é um desejo, é uma projeção, só para deixar claro. Sinto que terei, sim, alguma doença, talvez algo respiratório, de pele ou até cancerígeno, mas não conseguirei sofrer muito pela doença, seja pela minha situação ou pela qualidade de vida que o mundo me proporcionará. Sinto que será rápido. Porém, enxergo dor, acho que sentirei muita dor.
Eu preciso encontrar um país
Onde ser solidário seja um ato gentil
Eu prometo que vou encontrar
E esse país vai chamar-se Brasil
brasis, Elza Soares
Será um dia frio, assim como todos os dias que mais odeio, mas não um gelado de partida, aquele gelado com o sol quente e um vento forte. Acho que estarei sentado no meu sofá. Relembrando a morte de alguns amigos que partiram nos últimos 5 anos, nenhum muito próximo. Já sem conseguir me concentrar na televisão e respirando com dificuldade. Será um sofá vermelho. Por volta das 4 da tarde. Apesar de, dessa vez, desejar e torcer, estar com gente que eu amo em casa. Na hora da morte, sinto que estarei sozinho no sofá, eles estarão na cozinha, no quintal, em qualquer outro lugar no terreno e eu estarei lá, com frio, sentindo meus órgãos finalmente descansarem e entrando no ônibus. Não vou gritar, nem gemer, nem nada, vou em silêncio, sentindo as dores que me pegaram de calças curtas e… fim. Acho que a última coisa que vou ouvir é o barulho do vento.
E será assim, será o meu ato final. Se você está lendo isso entre 2060 e 2070, comenta aqui se acertei. De algum lugar, espero conferir! Enfim, acabei me perdendo em pensamentos lúgubres, Elza foi uma força viva, a morte foi só uma vírgula. Acho que o meu desejo é o mesmo. Não quero que minha morte seja um grande evento, mas só mais um. Espero encontrar com Elza onde ela estiver. Na minha lápide, quero apenas minha foto e meu nome. Não quero frases, tudo de importante que falei, quero ter falado em vida. Assim como Elza.
Feliz aniversário, Mulher, você faz falta!
Obrigado, galerinha!
Recomendações:
Música:
Vídeo:
Filme:
As Boas Maneiras (2017) - Disponível na Netflix.
Série:
Elza&Mané: Amor em Linhas Tortas (2022) - Disponível no Globoplay. Tem imagens inéditas da Elza e uma visão ímpar sobre seu relacionamento com Garrincha.